quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O abutre-Franz Kafka

ERA UM ABUTRE QUE ME DAVA GRANDES BICADAS NOS PÉS.Já havia dilacerado sapatos e meias,e as bicadas iam penetrando na minha carne.De vez em quando,agitado,o abutre esvoaçava em volta de mim e logo retomava sua faina.
Um homem passava pelo local e ficou observando a cena por alguns momentos;em seguida me perguntou como podia eu suportar aquele abutre.
-Acontece que estou sem defesa-respondi.-Ele apareceu e me atacou.Claro que tentei lutar,tentei mesmo estranguçá-lo,mas o bicho é muito forte,um bicho desse quilate!Ele ia até mesmo me atacando o rosto,por isso achei melhor sacrificar meus pés.Como pode ver,meus pés estão quase em frangalhos.
-Mas como pôde se deixar torturar dessa maneira!-disse o homem.-Bastaria um tiro e pronto!
-Acha mesmo?-disse eu.-O senhor gostaria de disparar um tiro?
-Claro!-disse o homem.-É só ir até a minha casa e apanhar a espingarda.Consegue agüentar aí mais meia hora?
-Não sei lhe responder-falei.Mas ao sentir uma dor lancinante,acrescentei:-De qualquer maneira,vá logo,estou lhe pedindo.
-Bem-disse o homem.-Vou o mais rápido possível.
O abutre escutara a conversa tranqüilamente,olhando ora para mim ora para o homem.Vi que entendera tudo.Ele ergueu-se com um bater de asas e em seguida,empinando-se para ganhar equilíbrio,como um lançador de dardos,enfiou-me o bico boca adentro até o mais profundo do meu ser.Ao cair,com que alívio senti que o abutre se engolfava impiedosamente nos abismos infinitos do meu sangue.

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